
A Doutrina Monroe propagou ideia de controle dos EUA sob seus vizinhos
- Vinícius Mendes
- Role,De São Paulo para a BBC News Brasil
“A Doutrina Monroe está morta”. A sentença foi dada em novembro de 2013, no fim do encontro da Organização dos Estados Americanos (OEA) daquele ano, sediado na Cidade da Guatemala, no país centro-americano.
Ela foi sucedida por calorosos aplausos de uma plateia em pé, toda formada por representantes de governos latino-americanos e caribenhos. O sentenciador: John Kerry, então Secretário de Estado dos Estados Unidos sob administração do então presidente Barack Obama.
Dizia ele que, em vez da antiga relação “interventora” dos EUA, inaugurava-se uma era em que os países americanos se veriam “como iguais, compartilhando responsabilidades, cooperando sobre os assuntos de segurança e aderindo não mais a uma doutrina, mas a decisões tomadas conjuntamente”.
“Mas a Doutrina Monroe nunca esteve tão viva”, observa Carlos Gustavo Poggio, que leciona Ciência Política na universidade Berea College, nos EUA, e também na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
“Ainda mais vendo uma Casa Branca [sob administração do republicano Donald Trump] cuja cabeça está no século 19″. Essa é sua reação às declarações recentes de Pete Hegseth, o atual secretário de Defesa estadunidense.
Em abril, Hegseth afirmou ao programa The Will Cain Show, do canal Fox News — alinhado ao governo Trump —, que os EUA devem recuperar a influência no seu “quintal” (a palavra em inglês foi backyard), “perdida” para a China.
Hegseth se referia à tensão que a Casa Branca, sob Trump, estabeleceu com o governo do Panamá pelo controle do canal marítimo que cruza o país, ligando os oceanos Atlântico e Pacífico. Com isso, economizaria dias de viagem de navios que precisam passar de um lado ao outro do continente.
Construído pelos americanos de 1904 a 1914, o Canal do Panamá está sob controle do país centro-americano desde 1999. O atual governo dos EUA diz que os panamenhos violaram os Tratados Torrijos-Carter quando aderiram, em 2017, à Iniciativa Cinturão e Rota, o grande projeto de expansão comercial da China conhecido como “nova rota da seda”.
Falar em “quintal” é uma herança que a Doutrina Monroe deixou como modo comum — e jocoso, de certa forma — de se referir à América Latina e o Caribe a partir da perspectiva dos americanos.
Essa doutrina se refere à política externa adotada pelos EUA a partir de 1823 e às várias ressignificações pelas quais atravessou desde então. O nome se refere ao ex-presidente dos EUA James Monroe (leia mais abaixo).
“Ela quer dizer, efetivamente, que, por causa da proximidade entre os territórios, os EUA se consideram como tutores”, diz Poggio, autor de, entre outros livros, O pensamento neoconservador em política externa nos Estados Unidos (Unesp, 2010).
“Eles dizem: ‘Olha, vocês latino-americanos precisam aprender a se comportar. Tem muitas revoluções, muita bagunça aí, e nós, anglo-saxões, precisamos colocar ordem em vocês’. Essa visão está muito presente no atual governo Trump — e não só para a América Latina.”
Uma das ressignificações mais relevantes da Doutrina Monroe aconteceu no fim de 1904, já no período do conservador Theodore Roosevelt.
Em seu discurso à nação, em 6 de dezembro daquele ano, o então presidente se sentiu instado a fazer uma defesa mais contundente das intervenções que seu país havia feito em Cuba e Porto Rico, pouco tempo antes.
Disse que não era certo dizer que os Estados Unidos sentiam “qualquer fome de terra” e que, ao contrário, seu país queria apenas “vizinhos estáveis, ordeiros e prósperos”.
Então, ele sentenciou: “A adesão dos EUA à Doutrina Monroe pode nos forçar, ainda que com relutância, em casos flagrantes de irregularidades ou incapacidade, ao exercício de um poder de polícia internacional”.
Já a implementação da agenda de ajustes econômicos estruturais, com objetivo de abrir os mercados dos países latino-americanos ao neoliberalismo, “foi toda feita com base no consenso e no diálogo”.
“O ‘porrete’, sem nenhum revestimento de legitimidade, não tinha sido mais usado. A novidade de Trump é essa: ele tira o porrete pela pura defesa da volta de uma dominação dos Estados Unidos na região”, define ele.
A volta do Corolário Roosevelt e seu grande porrete significariam, hoje, o possível uso da força bélica para realizar os planos expansionistas de Trump — principalmente a retomada do controle sobre o Canal do Panamá.
“Se isso acontecer, de fato, a China aceitará?”, provoca Marina Gusmão, da Unifesp
Quando a reportagem da BBC News Brasil redireciona a pergunta, ela faz outra ainda mais difícil de responder.
“A China não tem poder de fogo para enfrentar os Estados Unidos, e está muito longe da América Latina — o que, em uma guerra, é sempre importante. Mas a Rússia tem [poder de fogo], assim como é uma aliada. Haveria uma coalizão entre China e Rússia, então?”.
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