A memória curta coloca de lado os melhores na arte do futebol

POR FERNANDO CALAZANS

O ser humano é muito atraído a fazer comparações, praticamente em qualquer ramo de atividade. Quando se trata de competição, então nem se fala. Comparações que induzem à escolha dos melhores nisso ou naquilo. No futebol, por exemplo. Comparações e rivalidades, isso é o que não falta.

E é o que levou a France Football a eleger os melhores jogadores da História do futebol, em três seleções: a primeira, que é a seleção principal; a segunda, que seria a seleção reserva; e a terceira, a reserva da reserva. É claro que vários jornalistas e comentaristas brasileiros já abordaram o tema, na maior parte com críticas às escolhas feitas pelos mais de 100 jornalistas votantes de vários países.

Alguns me contaram que José Trajano chegou a ficar “irritado” com a ausência de Garrincha na seleção principal. Nem é para menos. Eu, por exemplo, também fiquei. Outros críticos “irritados”, pelo menos que eu saiba, foram Paulo César Vasconcellos, Cláudio Arreguy, Octávio Costa, que, num artigo aqui mesmo no Ultrajano, faz questão de lembrar que viu Garrincha jogar, e outros mais. Ver Garrincha jogar foi um privilégio que, ao que parece, a maioria dos votantes não teve.

Realmente, quem viu o futebol brasileiro campeão do mundo, ou quem estudou essa História gloriosa, não pode aceitar que Cafu seja escolhido como melhor lateral-direito ou que Roberto Carlos entre na seleção reserva como lateral-esquerdo, enquanto Nílton Santos é esquecido nas três. Eu disse “nas três”, por mais incrível que pareça. Naturalmente, os votantes não sabem quem foram, nem ouviram falar de Carlos Alberto Torres, Djalma Santos e Leandro, na direita, e muito menos de Nílton Santos, na esquerda. Nílton Santos, posso informar daqui, foi chamado de a “Enciclopédia do Futebol”. Depois dele, e antes dos demais, tivemos por aqui o Maestro Júnior, outro exemplo.

Não quero ser muito antipático com a France Football, por isso faço a ressalva de que Cafu e Roberto Carlos foram muito bons jogadores. Respeitabilíssimos. Mas não chegam aos pés do capita Carlos Alberto e de Nílton Santos, estes sim ‒ sobretudo o segundo ‒, os maiores de suas posições em todos os tempos.

E Garrincha, hein? Que mereceu textos até do poeta Carlos Drummond de Andrade. (Ouviram falar do poeta Drummond de Andrade?). PC Vasconcellos disse que Garrincha tem sido escanteado ao longo da História. Gostei do termo: “escanteado”. É isso mesmo que acontece com Garrincha e outros gênios do futebol ‒ pior ainda, acontece aqui mesmo no Brasil. Isso é que é inaceitável: no Brasil! É a mesma coisa abjeta que Bolsonaro faz com a cultura, a educação, a saúde, entre outros mil exemplos do seu desprezo pelo ser humano.

Cláudio Arreguy observou muito bem: o craque Tostão não entrou nem entre os indicados para cada posição. Foi o único campeão mundial de 1970 que ficou fora da lista total de candidatos às três seleções, A, B e C. Não pode.

Os únicos craques do presente na seleção principal foram Messi e Cristiano Ronaldo, a dupla da rivalidade. Messi, acho até que pode ser compreensível; Cristiano Ronaldo, acho um exagero, sem deixar absolutamente de reconhecer sua indiscutível qualidade.

Escolhas de seleções, escolhas de melhores desta ou daquela competição, desta ou daquela posição, em geral dão nisso. Discussões, divergências, controvérsias. Como se diz, faz parte. Mas ainda há comentarista, hoje em dia, que considera que jogadores do passado, como em tantas dessas listas, não eram lá grande coisa, jogavam numa época em que tudo dentro de  campo era “mais fácil”, e que agora os jogadores têm menos espaço, mais velocidade, mais marcação, mais isso, menos aquilo… Tudo é mais… “difícil”.

E quem viu as gerações brasileiras pentacampeãs mundiais tem que aguentar essa besteirada de gente sem qualquer grau de intelectualidade para admirar a arte, inclusive a arte do futebol.

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