Duas senhoras, o Jornalismo, a pandemia e as fake news

* Por Gregório Dantas 

A pandemia do novo coronavirus (Covid-19) impôs à sociedade, como conhecemos, uma mudança radical de comportamento. Involuntariamente ou não, modificamos nossa maneira de perceber as relações sociais e despertamos novas alternativas. Recentemente, eu estava deitado na rede da varanda do meu apartamento, assistindo a um filme com minha esposa, quando escutei um diálogo intrigante que me fez pensativo e muito preocupado.

Eram duas senhoras entre 50 e 60 anos conversando no apartamento do térreo. Elas estavam criticando minha categoria de jornalista e vociferavam que “assistiam a tv e viam os jornalistas pedindo para ficar em casa, entretanto eles (jornalistas) estavam fora de casa”.

Então me veio a seguinte ponderação: será que elas estavam se solidarizando pelo fato de nós, jornalistas, termos que arriscar nossas vidas e as de nossas famílias para levar a informação de forma séria e responsável para a população?

Para minha decepção, não era nada disso. Continuei escutando a conversa e ficou evidente que elas estavam zombando do trabalho da nossa categoria. Elas sorriam e debochavam das informações que, com tanto zelo e responsabilidade, passamos para população. Orientações que temos como fontes profissionais de saúde, infectologistas, biólogos, cientistas.

O tom do diálogo demonstrava uma verdadeira desvalorização do nosso trabalho e da profissão de jornalista.

Elas falavam: “como vamos continuar em casa se eles que tanto pedem estão na rua de boa”, “eu não acredito no que esses jornalistas estão falando, nem no que esses médicos e doutores que eles entrevistam falam”, “isso aí é só besteira que inventaram pro povo ficar em casa e quebrar a economia”, “essa doença só matou 21 pessoas no Maranhão, não sei porque esse alarme todo”, “não conheço ninguém que pegou isso”, “eu vi no ‘zap’ que isso foi uma invenção da China”, “eu vi em um canal do YouTube que essa doença é uma estratégia pra fazer a china dominar o mundo”, “vi em uma corrente de Facebook que nós temos que ir pra rua mesmo pra todo mundo pegar logo isso e ficar imune”.

Essas frases me fizeram refletir sobre a função prática do trabalho de jornalista. Será que estamos conseguindo cumprir bem nosso trabalho? Será que estamos conseguindo levar a informação de forma correta para quem mais precisa? Será que realmente estamos conseguindo contribuir com a sociedade e com os profissionais de saúde que tanto sofrem tratando as vítimas dessa doença? E a pior e mais doída de todas as questões: “Será que nossa dedicação, seriedade e responsabilidade valem a pena?

Para abordar o tema, fico com a definição de jornalismo do professor e comunicologo Nilson Lage: “O jornalismo é uma prática social que se distingue das outras pelo compromisso ético peculiar e pela dupla representação social: jornalistas podem ser vistos, de maneira ampla, como intermediários no tráfego social da informação ou, de maneira estrita, como agentes a serviço de causas consideradas nobres.

A razão dessa duplicidade é histórica e suas consequências ganham relevância numa época em que as narrativas impostas se sobrepõem e determinam os fatos”.
As questões levantadas pelas senhoras, após essa contextualização teórica, verdadeiramente despertam uma aflição.

Em tempos de uma sociedade interligada digitalmente pelas redes sociais e pelo maior perigo delas, que é a divulgação de desinformação pelas fakenews, chego até a pensar que o professor Umberto Eco, que estudamos nas aulas de Teoria da Comunicação, estava correto quando afirmava que as redes sociais dão o direito à palavra a uma “legião de imbecis, que antes falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”…

Pior ainda é pensar que Eco estava correto quando afirmou que “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. Ideia que eu tanto combatia na sala de aula da Universidade e que hoje me parece cada vez mais real.
Enquanto aluno, imaturo, eu pensava e fantasiava os benefícios e as conquistas da era digital e da internet. Ainda acredito nisso, mas de forma diferente.

Não posso, de forma alguma, desprezar o que venho chamando de “auto alienação voluntária e intencional”. Essa prática, que acredito ser a das duas senhoras, é comum nos que se alimentam das fakenews e as alimentam em um eterno e cruel processo simbiótico de retroalimentação. São os que aderem ingenuamente a uma verdade inexistente, por crença ou identificação, encontrando no falso aquilo que pensa e acreditando como verdadeiro. Eles aceitam o falso como evidência materializada de sua ilusão.

Verdairamente, não acredito que as duas senhoras se enquadrem na outra vertente: os que se alimentam e alimentam as fakenews. Ainda tenho esperanças que elas não sejam os que sabem das falsificações e não se importam, por considera-las úteis aos seus fins ideológicos. Tomara que esse não seja o caso.

Elas seriam sim o primeiro caso. Acreditando que elas sejam as ingênuas que repetem a prática do que chamei de auto alienação voluntária e intencional. Elas quase que automaticamentes e instintamente pegam o smartphone, acessam qualquer rede social, sem referência alguma, sem embasamento cientifico algum, no mais puro e simples achismo, então escolhem acreditar naquilo como verdade absoluta e compartilham para todos seus contatos.

É triste perceber que essa prática se transformou em quase uma regra. Mais triste, ainda, é ver pessoas próximas a nós, jornalistas, se utilizando dessa mesma prática autoalienativa e compartilhando sem critério algum essas fakenews nojentas e perigosas que colocam em risco a vida dos profissionais de saúde, da própria família e de toda a população.

É importante destacar que as falsas informações podem ser refutadas, entretanto, seguindo a máxima de outro teórico que deveria ser mais lido nessa época, Jean Baudrillard, o falso pavimenta o caminho do verdadeiro e pelo “paroxismo do absurdo seria o bom uso social do falso uma irrealidade cotidiana fazendo eco”.

Espero que essa aflição que sinto quanto a função prática do trabalho de jornalista seja uma coisa passageira. Espero que nossa sociedade supere o quanto antes essa fase de negacionismo histórico e científico, de ataque violento a pesquisa, a ciência e a educação. De acordo com o professor titular de história do Brasil da USP, Marcos Napolitano, “não se pode negar o conhecimento, a ciência e os fatos históricos”. Do contrário, a conta vai chegar e vai ser muito cara.

O professor Napolitano também alimenta o coração de jornalistas e historiadores quando afirma que um método eficaz de combater o perigo do negacionismo é justamente a utilização da história pública e da comunicação direta por meio das mesmas redes sociais.

Durante muito tempo a produção historiográfica e teórica jornalística ficou “presa” ao mundo acadêmico, em artigos extensos que só dialogam com professores e alunos. Napolitano crê que a saída e a forma mais adequada para o combate ao negacionismo científico e histórico seria a produção de qualidade técnica e estética no YouTube, Instagram ou Facebook. As mesmas ferramentas tão utilizadas pelos negacionistas.

Tendo em vista as pontuações e as abordagens teóricas apresentadas, podemos concluir e acreditar que não devemos “desisitir” do jornalismo, da pesquisa, da educação e da ciência apesar do constante e pesado ataque a essas áreas. Podemos atacar as fakenews, a desinformação e a alienação com mudanças no método de abordagem, melhorias estéticas e de produção na forma do produto.

Devemos utilizar justamente o caminho que as duas senhoras do começo do texto utilizaram: as redes sociais.

Parafraseando o experiente jornalista e radialista maranhense, Juraci Vieira Filho, “as redes sociais quando bem utilizadas podem ser ferramentas maravilhosas de transformação social”. Quando bem utilizadas!

*Graduado em Comunicação Social com habilitação em jornalismo pela UFMA, pós graduado em assessoria de comunicação pela Universidade Estácio São Luís e graduando em História (UFMA)

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